quarta-feira, 19 de outubro de 2011

MUSAS IMPASSIVEIS 2


"A Musa impassível, de Victor Brecheret, é uma das maravilhosas esculturas que integram, desde 2006, o acervo da Pinacoteca do Estado, ao lado do Parque da Luz.
Por décadas, a Musa permaneceu “impassível” no Cemitério do Araçá, no túmulo da poetisa parnasiana Francisca Júlia da Silva, que faleceu em 1920", assim apresenta o flickr do Yahoo.

Lá, no túmulo da poetisa, foi colocada uma réplica em bronze.

Segue na postagem abaixo imagens das duas musas.

Se observarmos com calma perceberemos que a de metal acabou por ficar inclinada para trás, transformando o caráter hierático, uma expressão sacerdotal de acentuada majestade e rigidez, característica de muitas das importantes obras de Victor Brecheret, em certa pompa descabida. Em vez do colo como fonte principal de energia, a barriga se pronunciou para frente dando certa sensação de lordose ou desconforto. As linhas perfeitamente horizontais do pescoço e perfil - nariz e testa - foram jogadas para a diagonal, influindo decisivamente no aspecto formal da obra, algo também de imensa importância na estética de Brecheret.

Curiosamente, neste caso, a fundição conseguiu reproduzir bastante bem a superfície da obra, algo difícil para as condições técnicas brasileiras da fundição artistica na atualidade. O metal ainda possui uma porosidade importante, porém, uma vez que o próprio original perdeu boa parte da riqueza de detalhes, outra característica fundamental do autor, as novas perdas não parecem significativas.

Porém, para aqueles que vão visitar a obra no túmulo com o propósito de se aproximar de uma importante obra de um dos nossos maiores mestre da escultura e do modernismo brasileiros me parece que ficará certa dúvida sobre esse encontro. 

Ficam então algumas perguntas:

Encontrará lá o mistério e rigor formal comum ao grande escultor? Saberá ele compreender que essas perdas e deformações são “naturais” na reprodução de uma obra de arte? E são naturais? Saberá ele que é uma reprodução? Será que são aceitáveis essas alterações? Qual critério foi usado durante a realização da reprodução? De quem era a responsabilidade de acompanhar o processo de fundição da obra?
Afinal, a obra escultórica possui uma sintaxe feita de formas, volumes, linhas, contornos... são o modo e a feitura deste  jogo que fazem a qualidade do autor e ao alterá-las não se perde pouco. Assim sendo, o que essa nova peça representa no conjunto da obra de Victor Brecheretl? E ainda, o que significa essa questão em relação ao nosso patrimônio cultural?

MUSAS IMPASSIVEIS







terça-feira, 18 de outubro de 2011

EXPO FUNDIÇÃO ARTÍSTICA

Estou capitando recursos, via Lei Rouanet, para um projeto sobre a FUNDIÇÃO ARTÍSTICA BRASILEIRA.
Quem quiser conhecer o projeto segue o link:
 
www.fundicaoartistica.blogspot.com

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

AS OFICINAS EM SÃO PAULO CONTINUAM

Sempre as quartas, continuo recebendo artistas e estudantes com o objetivo de aperfeiçoar e trocar informações sobre o metier da escultura.
Da moldagem à fundição em bronze, da modelagem em argila ao desenho, os grupos tem acesso a informações técnicas, bibliografia e trabalho prático.
O ateliê possui forno para queima dos originais e durante o dia ocorrem sessões com modelo vivo para a prática de modelagem e desenho.

às quartas-feiras
das 09 as 12h ou 14 as 17h


informações
2609.9171
i.kislansky@ig.com.br
 Local: Rua Teodoro Sampaio, 855, 1B, Pinheiros - SP

terça-feira, 4 de outubro de 2011

ESCULTURAS PAULISTANAS








Fotografar as esculturas no centro de São Paulo não é tarefa fácil. Primeiro porque algumas praças, ao menos as duas que fui hoje, são banheiros públicos. Você deve fotografar com o maior cuidado para não pisar em m. e o cheiro também não ajuda. Depois a preocupação, suspeita pelos olhares e movimentações, de um possível assalto. O resto são os pinéis, cachorros e mesmo policiais que, infelizmente, não possuem olhares mais apaziguadores. Tirando tudo isso, a tarde foi ótima! As obras valem a pena e, a despeito do academicismo, possuem seu charme. Se o entorno ajudasse o paulistano seria bem mais feliz.

Fico pensando que estes monumentos deveriam ser tratados como os museus, com verba, administração própria e política de uso, no sentido de tornar esses espaços vivos. Possuímos obras realmente boas e TALVEZ, apenas, nossos netos aproveitem. Gostaria eu de fazê-lo!

A peça acima é uma homenagem a Alfredo Maia, não o conheço, desculpem, e está na frente da Sala São Paulo.

TOLERÂNCIA - Bahia e Judaísmo - 2ª parte

Somos identidades individuais muito complexas e não nego que nossa formação cultural faça parte dela. Porém, gostaria agora de fazer um esforço de imaginação e furar essas barreiras para estar simplesmente ao lado de alguém, seja ele quem for - judeu, baiano, negro, branco, amarelo ou ainda a mistura de alguns deles - e olhar a sua volta.
Estaremos então diante de alguém que ama, sofre, ri, chora, tem filhos ou não, teve pais, estuda ou trabalha. Este ente vive numa sociedade com justiças e injustiças e muitas vezes é atormentado pelas escolhas entre “verdades” e “mentiras”. Por fim, ele sonha, pondera e deseja. Basicamente qualquer um de nós, pois somos, afinal, apenas estes seres humanos, limitados, voluntariosos e, segundo nosso Machado de Assis, atraídos pela “quimera da felicidade”.
Lembrar que o outro sente e vive apenas como nós mesmos, independente das distância culturais e físicas, é sem dúvida o primeiro passo no sentido de encurtar as distâncias e amolecer certas barreiras que aparentemente separam os povos. Esse tipo de aproximação em direção ao indivíduo foi uma das recentes e maiores conquistas da humanidade – se pensarmos que 300 anos está logo alí. Um processo que acompanha as transformações do mundo desde o século XVIII, passando pelo fim das monarquias absolutas, pela revolução francesa, pela emancipação, primeiro da maioria e depois das minorias, pela revolução que significou a psicanálise ou mesmo a mini-saia. Todas elas trabalharam contra os pré-conceitos e ajudaram a ampliar a igualdade entre raças, sexos e classes sociais. A noção moderna de direito, por mais difícil que seja sua prática, nos faz crer, ao menos, que não andamos em vão.

Hoje percebemos claramente que os movimentos fascistas do princípio do séc. XX foram uma cruel resistência aos caminhos da liberdade. Não a toa pregaram a limpeza racial e bradaram firmemente contra a arte moderna. Mesmo agora, o radicalismo pulverizado mundo afora não representa mais que um grito desesperado de medo. Medo do erro, das transformações, medo das perdas, enfim, daquilo que é mais humano. Viver em liberdade implica em acertar e errar, mudar de caminho, duvidar, experimentar, ser responsável pelos seus atos e respeitar o outro que guia-se pelo seu próprio norte. Sem dúvida algo complexo, um aprendizado diário do qual levamos para o túmulo apenas a sensação da busca, pois somos e seremos sempre imperfeitos. O resultados dos esforços acumulados são conquistas que se abrem para todos e usufruimos delas sem o perceber. Para o obtuso, porém, será sempre mais fácil ordenar ou seguir ordens que lhes “assegurem a felicidade".

Aquele “indivíduo”, o outro, igual a nós mesmos, busca apenas um acerto de contas consigo mesmo. As vezes, tem acesso a caminhos que atendem a essa necessidade, as vezes, e infelizmente, se interpõe ao seu percurso verdades alheias.

Poderíamos também pensar as culturas como indivíduos.
Afinal, o que regem as relações entre as pessoas? Poderíamos viver isolados, um sem o outro? Não é justamente na troca que crescemos e nos realizamos? E ao fazê-lo, deixamos de ser nós mesmos? Existe relação entre dois indivíduos sem respeito e independência?
Se, como indivíduos, estivermos um pouco mais preparados para o contato com o outro, e todas as suas conseqüências, sairemos mais ricos dessa troca, e certamente diferentes.
O mesmo se dá em relação as culturas.

De qualquer modo estou seguro que ao transformar culturas em abismos que dividem e delimitam os povos comete-se um grande erro. Em primeiro lugar porque as culturas são, e sempre serão, permeáveis. Nunca existiu esta tal pureza e os exemplos salpicam mundo afora. A música judaica é inimaginável sem os ritmos árabes. O cristianismo possui uma matriz judaica. Os mitos africanos se misturaram de tal modo ao catolicismo que frequentemente se trocam os nomes dos santos pelos respectivos Orixás do Candomblé. O Brasil e a Bahia justamente encantam o mundo por essa permeabilidade, pois aqui nunca saberemos exatamente onde começa e termina a influência de tantas culturas e indivíduos.

domingo, 2 de outubro de 2011

TOLERÂNCIA - Bahia e Judaísmo - 1º parte



Nascer judeu na Bahia causa imediatamente certa perplexidade.
Algo parecido a uma piada pronta.
Mas de onde vem exatamente essa sensação?
São de fato duas informações carregadas de significados intensos e aparentemente antagônicas. A Bahia seria sinônimo de alegria, festa, liberdade, extroversão, corporeidade, música e afeto. O judaísmo, por mais que seja uma cultura permeada de atributos semelhantes, parece se opor imediatamente a todas elas, tal como água e azeite, que se repelem ao menor contato. Logo, ao pensarmos o judaísmo, ao lado da baianidade, somos levados a visualizar um judeu triste, cinzento, carrancudo ou avarento.
Para acabarmos com essa ilusão, e podermos avançar em relação ao chiste, bastaria dizer apenas que existem muitos baianos tristes, aborrecidos e certamente avarentos. Digamos melhor: por trás dos vernizes das culturas existem, por fim e ao cabo, toda fauna humana, e em cada povo ou nação hão de haver sempre a mesma galeria de virtudes e defeitos presentes pelos quatro cantos da terra. Ou seja, entre judeus, católicos, muçulmanos ou iorubás existe gente honesta, feliz e extrovertida e ao lado destes - como não deveria causar estranheza - os desonestos, tristes e introvertidos.
Podemos dizer também que influem sobre estes estereótipos certa realidade factual vinda de episódios e mesmo de locais muito específicos.
Boa parte da imagem judaica vem de certa experiência acumulada por séculos de perseguição e pobreza, muito ligada ao leste europeu, onde contribui para compor a estética do quadro um frio intenso e a escuridão dos trajes. Sinto talvez que pareça superficial atribuir as imagens a percepção sobre um povo, mas o que fazer se os olhos têm sua lógica? A Bahia, por exemplo, vive do mito da felicidade e boa parte dessa percepção vem do sol, do céu azul, da natureza exuberante, da miscigenação racial e do carnaval.
Devemos pensar ainda que coladas a essas imagens estão, pelo lado judaico, um histórico, bastante disseminado, de riqueza vinda através de um suposto comprometimento “burguês” e, para finalizar, a negação ao cristianismo, mais especificamente ao Cristo. Do lado baiano junta-se as imagens solares certo hábito festivo ligado às origens portuguesas, mas principalmente africanas, e daí também a idéia de sensualidade associada aos povos "primitivos” da mãe África.
Inverter a lógica não me parece muito difícil, desde que estejamos atentos a realidade, que é sempre mais complexa que a fotografia na parede. Porém, não devemos também subestimá-las, pois, além das verdades que estas possuem, agem como espécie de auto-referência para nossas identidades. Digamos apenas que ao conhecermos pessoalmente esses "personagens” ampliamos nossa percepção sobre o “sujeito” e começamos a enxergar um universo mais amplo que poderá, para surpresa geral, nos levar a um único homem.
Ao chegarmos mais perto, conheceremos, em primeiro lugar, uma Bahia diferente daquela imaginada, onde a miscigenação não foi capaz de diluir o preconceito racial, este ligado a uma tradição coronelista arraigada, cujas transformações sociais das últimas décadas, infelizmente, só ampliaram o abismo entre ricos e pobres. E então, muitas vezes, ao andarmos pelas ruas da Cidade Baixa, somos hoje surpreendidos por uma nítida sensação de apartheit. Dito assim, de modo tão direto, pode soar tão estranho quanto afirmar que o judaísmo é uma cultura que celebra a alegria e que os judeus, de um modo geral, estão muito mais envolvidos com as artes e a ciência do que com especulação financeira. E mais, que ainda hoje, entre judeus, existem pobres.

Estamos agora diante de um novo quadro, na realidade o negativo daquela fotografia e, como tal, mal reconhecemos a imagem.
Afinal, haveria uma certa?
Mesmo aqueles que se interessam em investigar a realidade não deixariam de rir da piada. E nesse sentido poderíamos dizer que as duas percepções estão certas e erradas. As imagens iniciais, aquelas que nos fazem rir, possuem sim sua carga de verdade e o oposto, por incrível que pareça, também.