quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Arriscando uma peça um pouco maior
















































Não estou muito contente com o rosto do menino. Como é uma peça maior farei o molde, por enquanto não dá prá queimar. Vou trabalhar um pouco mais e tentar colocar uma mão do garoto...

terça-feira, 26 de outubro de 2010

CUIDANDO DOS PASSARINHOS






















Creio que inventei que meu avô morreu engasgado com uma espinha de peixe. Acreditei nisso por muito tempo, mas soube, recentemente, que sofria do coração. Inventei também que o estádio da Fonte Nova desabou. Na verdade ouve uma ameaça, um corre-corre, meus irmãos estavam lá dentro e Samuel chegou em casa com os joelhos ensangüentados. Talvez tenha ouvido falar que iria desabar e a imagem simplesmente grudou em minha mente ao ponto de poder quase jurar ter visto acontecer. Sempre pensei nisso e no cuidado com as espinhas de peixe.

Meu avô surge e escapa da minha memória como se não o visse entrar ou sair. Lembro-me de acordar certa vez pela manhã e encontrar chocolates sob o travesseiro. Fiquei de pé na cama e vi vovô lá em baixo, ao lado da banca de jornal, esperando um aceno meu. Lembro da expectativa de vê-lo naquele lugar, o que indica, talvez, que tenha feito isso outras vezes. Não recordo exatamente. A verdade é que lembro mais dos seus passarinhos do que dele. As cenas em minha memória em que ele, de fato, aparece, são pouquíssimas, o que me impressiona mais a respeito do que alimento por essas imagens. Sinto por ele uma ternura e identificação incríveis e hoje, como pai, são seguramente seu amor, caráter e atenção que mais imito.

sábado, 23 de outubro de 2010

ISAC E MARIA






















Minha mãe tb é judia. Conta a história q seu pai era de família russa e humilde e sua mãe também de família russa, mas rica. Vieram da antiga União Soviética com uma leva de imigrantes para uma fazenda no interior do Rio Grande do Sul. Se casaram, contra a vontade, é claro, da facção mais abastada, e partiram do Rio Grande já com tia Berta ao colo.
Contava essa tia que moravam numa casa no meio do mato, de onde nasceu seu conhecido horror por cobras de todas as espécies, inclusive as de brincadeira, da visita constante e assustadora de “capatazes”e que brincava no colo de seu avô, acredito que paterno, fazendo tranças em suas longas barbas. Me compraz imaginá-los hassidim, religiosos ou músicos. Busco essa veia artística em minha família materna uma vez que a família de meu pai se restringe a ele e uma sobrinha, tendo o restante morrido com a perseguição nazista, e por ele mesmo não apresentar o menor sinal de inclinação às artes. Ademais a família kosminsky possui todos os sinais dessa inclinação, por começar pela propensão a desordem. Vamos entender assim: a lógica seria o pai do dinheiro e a intuição a mãe das artes. A família Kosminsky não era nada lógica. Por fim, havia um tio. Alguém que nunca conheci mas que era pintor. Abrão Kosminsky. Na realidade um primo de minha mãe e na foto do meu primeiro aniversário apareço miúdo entre o bolo e um quadro seu sob a parede da sala. Suas pinturas estão impregnadas em minha lembrança por comporem o que poderia chamar de cenário do primeiro ato. Hoje, mesmo quando vejo esses quadros sinto-os como objetos do passado.
Voltando a fazenda e a partida dos meus avós do Rio Grande do Sul sei apenas que ele trabalhou como caixeiro viajante, que sua mulher nutria por ele um ciúme que tornou-se, com o passar dos anos, doentio, e que seus dez filhos nasceram no percurso entre o Rio Grande e o Pará. Minha mãe, a décima, nasceu em Pernambuco, não sei se na ida ou na volta, pois chegaram ao Pará e retornaram até alcançarem sua última parada, a cidade de Salvador, onde morreram na década de setenta. Foi a primeira morte que experimentei. A dele pouca lembrança tenho apesar da importância que representa para mim. De repente ele sumiu e poucos dias depois, então soube do que se tratava, ficou a dúvida na casa, que se tornou motivo de brigas, se se deveria ou não soltar os seus passarinhos. Eram muitos, ficavam em minha casa e cuidava deles com muito zelo. Minha mãe, como sempre, tomou a frente, pegou as gaiolas e o grande viveiro, motivo de paixão na minha infância, e pôs a bicharada prá voar. Foi um misto de profunda tristeza e beleza, tenho essa imagem na frente dos meus olhos. Foram soltos na janela de minha casa, no edifício Rosemar, no quarto andar. Era uma janela inesquecível. Assisti, por ela, a milhares de finais de tardes como jamais poderia descrever. Quem conhece Salvador pode imaginar o que aquela cor e luminosidade podem fazer na alma de alguém. Nossa janela era pródiga em sensações.
Com minha avó foi diferente. Lembro de estar brincando na sala com Lulu, um amigo de infância, devíamos ter uns 6 anos ou mais, e vimos passar por cima de nossas cabeças o caixão. Vi vovó na cama e presenciei o sofrimento de minha mãe.
Muitas histórias ouvi, todas elas ditas entre jogos de cartas, idas a Hebraica e cafés da tarde. Cresci muito ligado a esse ritmo de casa com minhas tias, empregadas, parentes de todo tipo conversando e contando histórias. Muitas versões, discussões, disputas e aquela ao mesmo tempo inquietante e serena sensação de que isso era uma família.

A SINAGOGA DA BAHIA 3 e outras coisas















Por vezes creio haver algo para se esquecer, como num sonho estranho. Talvez um certo constrangimento de gueto. Talvez um certo constrangimento pessoal. Se há algo que me intriga, por mais que esse ambiente tanto favorecesse a minha infância, é que minha vida sexual em nada, ao menos que eu me lembre, está ligado aquele espaço. Esteve sim ligado a minha casa e minha rua. Isso, agora, me parece claro. Justifica talvez pq trago tão separadamente, ao menos por enquanto, essas duas artes, a do corpo e a judaica. Por alguma razão não puderam se misturar. Parece exagero, mas não é. Um exemplo disso eram as minhas idas a Igreja Nossa Senhora de Nazaré, a poucos metros da sinagoga com o intuito de ver passar, após a missa, as meninas do bairro. Especialmente a Claudia, uma paixão de infância. Esse pode parecer um problema exclusivamente meu, mas é sintomático que em nossa pequena comunidade, ao menos na minha geração e algumas antes, não consolidassem nenhuma união conjugal, sendo raros até namoros mais sérios. A comunidade judaica, a partir da década de 80, é praticamente mista e mesmo entre os que saíram e sairiam da Bahia rumo ao Rio e São Paulo será difícil encontrarmos um casamento judaico entre eles.

Talvez isso se explique pela força da sensualidade “extra-muros”. Não estamos em qualquer lugar, estamos na Bahia e a Bahia de um momento especial, de muita música, muitas festas, diferentes das de hoje. Ainda não existiam a industria do Axé e a cidade era menor e mais de rua. Explico-me. Vivíamos a cidade mais de perto. Nossa infância e pré-adolescência se desenrolavam nas calçadas em frentes as nossas casas e apartamentos e experimentávamos ali a liberdade necessária para todos os atrevimentos e covardias. A vida judaica, em comparação a essa, era de fato protegida e problemática.

A despeito disso experimentei certa felicidade naquele ambiente judaico. Não sei se uma felicidade retrospectiva. Creio que não. Quando criança a sensação de pertencimento tem uma importância incrível, agora compreendo. Pertencer aquele universo, vê-lo incorporado a imagem de meu pai e mesmo a de minha mãe, explicarei o “mesmo” mais pra frente, me fazia bem. Aquilo que chamamos de identidade surge para mim agora como que constituída destes pertencimentos e, nesse sentido, aquela sinagoga era minha, aquele pai era meu e tudo isso me levava a este lugar: o de que eu era judeu.

Outra coisa importante era a língua hebraica. Para mim mais propriamente as letras. Fui alfabetizado mas, de fato, nunca cheguei a utilizar o idioma. Mesmo para o Bar-Mitzvá, e sinto certo constrangimento disso até hoje, realizei todas as orações de cor, sem compreendê-las o significado. A favor de mim falaria apenas que muitos outros fizeram o mesmo, mas de qualquer forma um sentimento de falta permanece. Acabei assimilando o idioma à minha maneira. Como sempre, me relacionei primeiro com a imagem e foi assim que as letras hebraicas se tornaram grandes amigas. Amo suas formas, seus desenhos, seus gestos, a ponto de pouca ou nenhuma atenção realmente ter dado aos seus significados.

Escrevendo isso me vem em mente outra história ligada aquela Igreja de Nazaré. Numa das missas, já namorando uma jovem carola, Rita de Cássia, me vi esquecido, com olhar para cima, a ver as pinturas do teto da Igreja, suas volutas e tantas outras imagens, envolvido especialmente nas amarras das formas que logo depois, já em São Paulo, com olhar embevecido sob as palavras do meu mestre Van Acker, fui saber tratar-se do Barroco.

Em fim, ainda hoje a escrita hebraica exerce sobre mim uma sensação de paz, de certeza, de beleza, de lugar de pertencimento. De alguma forma aquelas letras são minhas.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

A SINAGOGA DA BAHIA 2















Talvez o mais problemático do judaísmo daquele tempo estivesse dentro da própria comunidade judaica. Uma comunidade pequena, um espaço pequeno, uma mentalidade talvez um pouco pequena também. Haviam os problemas das diferenças de situação financeira e, importante não negar, de formação também. Tem-se, às vezes, a idéia, principalmente fora da comunidade, que todo judeu possui letras, educação, uma boa formação em fim. Nem sempre é assim. Os diversos problemas que circulavam no ambiente daquele grupo tocavam a todos e bem a fundo. Mais pra frente acho que falarei dos meus percalços, mas por enquanto gostaria de rever e viver um pouco aquele espaço fabuloso que era a sinagoga da Bahia.

Estive por lá, como todos meus colegas, por toda a vida. Desde que nasci, provavelmente no colo de minha mãe ou da Nieta, até a entrada na escola, aos quatro ou cinco anos de idade, não sei exatamente. Lá permaneci como estudante até os nove e depois retornei aos onze, já como estagiário à jovem sionista. Fiz lá, naturalmente, meu Bar Mitzava, aos treze. Ao sair da Bahia tinha quinze e deixei para trás, por mais que minha estada em São Paulo tenha sido entremeada de idas à Salvador, a minha ligação com aquele espaço. Durante os anos que vivi na Bahia aquele prédio produziu simultaneamente tantas atividades que poderia enumerar uma centena entre tantos Yon Kipurim, São Joãos, casamentos, Cabalat Shabat, aulas de capoeira, danças, cantos e memórias.

Sim, memórias. Produziu, em não sei quantas gerações, uma enormidade de lembranças.

Era de fato um lugar mágico. Mágico e belíssimo. Espaços amplos, salas escondidas e misteriosas, uma sinagoga elegante e rebuscada com grandes janelas em forma de arco, uma escada em caracol em direção ao salão de festas no segundo andar, uma escada lateral em direção ao parque infantil lá de baixo (e por onde se passava pelo sonho sionista, uma pequena sala no subsolo da casa), as salas de aula, a sala da diretora, a lanchonete, a varanda do segundo andar, lugar disputado nos dias de festas, a escada lateral para cima, que poucas vezes se usava, a exceção dos dias de casamentos, a pequena área na frente da casa, seu muro e portão com grade.

É importante dizer, para não ficar uma impressão errada, que não era um imenso casarão. Os espaços eram próximos e se misturavam. Da sala principal se tinha acesso de um lado à escada caracol e do outro ao corredor das salas de aula que, passados não mais de 10 metros, dava na sinagoga. Em cada lugar uma centena de experiências que deixaram uma lembrança marcante mas que, por alguma razão, me parecem esparsas e rarefeitas.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

A SINAGOGA DA BAHIA






















O lugar de nossa infância é sempre mágico. A sinagoga da Bahia estava a 100 metros de casa. Naquele pequeno e estranho prédio funcionava a Escola Israelita, o movimento juvenil sionista Ihud Habonim e também a sinagoga. Digo estranho pq sua arquitetura era de fato inusitada: um anexo circular, um átrio na entrada, os mil espaços como mil gavetas. Em cada cômodo uma peça desse incrível quebra-cabeça que abrigou durante anos a vida judaica daquela cidade. É preciso dizer, embora não fosse necessário, pois quem narra nasceu em 1965, que vivi tempos modernos. E na Bahia. Ou seja, que minha vida era, antes de mais nada, de um brasileiro.
Dizer que era de um “assimilado” seria exagero, já que não me sentia um judeu que emigrou para outra comunidade. Eu era, como os outros colegas da escola israelita, judeu, brasileiro, baiano, menino, uma mistura e simultaneidade que, sinceramente, nenhum ruído apresentava. Meus primeiros e poucos alertas sobre um judaísmo que me apartavam dos outros colegas baianos apareceram a partir dos 10 anos, já no Colégio 2 de Julho, fora do núcleo judaico. E, curiosamente, sempre a título de elogios a nossa tradição e a suposta inteligência e dedicação aos estudos (certamente a regra existiu para que eu, e alguns colegas, fossemos a exceção). Tive de aguardar meus 16 anos para começar a me interessar por movimentos estudantis, conhecer colegas de esquerda e ouvir então as primeiras queixas sobre Israel e supostas ações sionistas terroristas. Do mais, trago comigo uma boa e serena sensação de ser judeu.

Quando pequeno, é verdade, havia um amigo de meu irmão mais velho, uma espécie de herói secundário, a infância está repleta desses heróis, que me chamava aos berros: “ô judeeeu!”. Achava ótimo e nos divertíamos. Era assim.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

TALIT






















A comunidade baiana sempre foi pequena.
Mas esse micro cosmos, como sempre, abrigava o universo.
Para mim esse universo começava em minha casa, se expandia pela rua, até chegar à sinagoga bem em frente, ao lado do Fórum Rui Brabosa no bairro de Nazaré em Salvador.
Nunca foi um mundo só judaico, mas foi um mundo judaico. Ao menos o mundo judaico que conheci.
A figura central desse mundo, seu umbigo, era meu pai.
Dele irradiava um comportamento, hábitos, amizades, aspirações, preocupações e também uma imagem.
Dentro de um pequeno saquinho, cor de vinho e bordado, possuía ele um pequeno solidéu e um tecido branco já amarelecido, também bordado e com detalhes em azuis.
De todas as aspirações que guardei em relação ao meu bar-mitzvá talvez essa tenha sido a mais importante: usar o talit.
Com seu talit e kipar meu pai ocupava uma longa mesa, junto aos dez mais velhos, na sinagoga da Bahia.

domingo, 17 de outubro de 2010

FIM DE UM ETAPA

Em dezembro estarei passando o atelier de São Paulo para Newton Santana. Foram quinze anos de trabalhos e muitas amizades construídas naquele endereço.
Passarei um período sem atelier.
Até o final de ano estarei vendendo as cerâmicas e desenhos que hoje superlotam meu espaço.
Estão todos convidados.
R. Teodoro Sampaio, 855, 1B
f. (11) 3062.5323
ik.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

SEI QUE É SIMPLES
















































































mas a impressão que os velhos nos causam quando crianças ficam pra sempre... e com eles a ideia de um judaísmo que perdura dentro de nós...