sexta-feira, 3 de agosto de 2012

A ARGILA MINERALIZADA DE BRUNO AMARANTE

















Ao falarmos que nós, escultores e ceramistas, trabalhamos com argila, a maior parte das pessoas imaginam que utilizamos algum tipo de barro tirado simplesmente da terra e mais provavelmente a beira dos rios ou córregos. Essa imagem idílica sem dúvida é em parte verdade. Existem argilas que são de fato trabalháveis in natura e se encontram próximos aos rios. Mas a realidade é que existem argilas em quase todas as partes do planeta e nas mais diversas regiões com as mais diversas características geográficas. Essas argilas são provenientes da decomposição milenar de rochas e suas características refratarias e plasticas, ou seja, a capacidade de suportar o calor e condição de ser modelada, variam imensamente. Deste modo existem argilas que são muito moldáveis, mas não suportam altas temperaturas como, por exemplo, boa parte das argilas vermelhas, a famosa terracota; e, por outro lado, as argilas brancas, ricas em quartzo e caulim, que costumam ser muito refratárias, mas pouco plásticas, ou seja, a princípio pouco favoráveis a utilização, em estado puro, para confecção de objetos.

Porém, o que via de regra se utiliza para modelagem e cerâmica, e principalmente em larga escala pela industria, é uma argila beneficiada, mais conhecida como massa ou pasta cerâmica. Normalmente os artistas e ceramistas costumam adquirir estas massas de fornecedores especializados e raramente produzem eles próprios a sua argila. Em Minas Gerais encontramos o escultor Bruno Amarante, um raro exemplo de artista que produz sua própria massa, desenvolvida segundo necessidades expressivas próprias e no intuito de atender uma pequena clientela. Essa produção semi artesanal possui características bem regionais, uma vez que a argila base é mineira e, entre as suas fórmulas, aparecem o minério de ferro.

A produção das massas é realizada de modo bem simples, pois o artista dispõe de poucos equipamentos. Inicialmente a argila base, que é recebida in natura, é seca, triturada por um batedor e transportada para um pequeno galpão. Nessas instalações encontram-se os demais produtos: argilas, sílicas, chamotes, feldspato, entre outros. Todos esses minerais são adquiridos já beneficiados por mineradoras. São “farinhas” de diversas granulometrias e cujas funções e porcentagem fazem parte de um jogo cujo aprendizado é fruto de muita experimentação.

Uma vez pesada e confeccionada a fórmula, esses produtos são despejados em uma betoneira onde é misturada e depois acrescida de água. No fim de poucos minutos brotam de sua boca pedaços irregulares de argila grossa. Toda essa massa é passada por uma maromba com expele, por fim, a argila pronta, tal qual encontramos nos sacos dentro das lojas de materiais cerâmicos.

Essas massas, diferentemente das argilas naturais, são massas com grande variedade e combinações entre cores, refratariedade e acabamentos. São todas moldáveis, podem possuir características de muita rusticidade ou serem extremamente finas e são normalmente queimadas entre 800 e 1300 C. Existem também as massas que são coloridas, ou seja, são acrescidas de pigmento, porém a maior parte das argilas naturais com suas combinações entre seus minérios compositivos, gradiente de temperaturas e tipo de queima são os responsáveis por uma imensa variedade de cores.

A princípio produzir uma massa cerâmica parece se facilmente exeqüível, porém encontrar um equilíbrio entre resistência ao calor, plasticidade, cor, condição de ser moldada, torneada, e mesmo esmaltada com regularidade de resultados, é um desafio constante para os produtores destas argilas.

A argila “mineralizada” de Bruno Amarante, acrescida em sua fórmula de minério de ferro, é uma exemplo da riqueza de possibilidades que a natureza ainda oferece a artistas e artesãos brasileiros.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

A ARGILA DE MARAGOJIPINHO


A partir de Salvador, atravessando a Baía de Todos os Santos, de balsa ou ferry-boat, chegamos à Ilha de Itaparica. Por uma estrada, cruzamos a pacata ilha até alcançarmos a ponte do Funil que nos leva de volta ao continente e em direção a uma das mais belas regiões do Recôncavo Baiano. Por esta estrada, que leva a Valença, em pouco menos de quarenta quilômetros, chegamos à famosa “Nazaré das Farinhas" e com mais seis ao pequeno município de Aratuípe.

Em Aratuípe se encontra o distrito de Maragojipinho. Esta antiga aldeia abriga uma longa tradição de cerâmica decorativa, com mais de 100 anos de história, e que nos remete a um dos processos fabris mais antigos da humanidade. Exclusivamente a partir do engenho e força do homem, sem qualquer auxílio de energia elétrica, artistas e artesãos exploram a terra, preparam o barro e produzem - em tornos movidos por movimentos dos pés - potes, pratos e toda sorte de utensílios utilitários e decorativos. Toda essa produção é queimada lentamente em grandes fornos à lenha.

O aspecto avermelhado desta cerâmica é obtido com a “goma de tauá”, espécie de engobe tirada de uma argila muito rica em óxido de ferro. Os arabescos brancos pintados com "tabatinga”, retirada de outra argila, bem como o "brunimento”, polimento da peça em “ponto de couro” antes da secagem definitiva, são feitos exclusivamente pelas mulheres, enquanto aos homens cabem a extração, preparação e criação dos objetos em argila.

Acompanhando todos esses procedimentos podemos facilmente imaginar como trabalhou o homem a partir de 3.000 anos antes de Cristo, uma vez que a cerâmica e o torno já era largamente utilizado no Egito e antigo oriente. O modus operandi daquela época seguramente não diferi substancialmente do que ainda hoje acontece em nosso Recôncavo. Compreender esta singularidade, ao lado da notória qualidade do artesanato da região, faz parte do processo de valoração e consciência da preservação deste fazer. Incorporar novas tecnologias, mesmo que ainda rudimentares, devem ser observados com cautela, uma vez que o próprio modo produtivo é, por si, e simultaneamente, história, ciência e arte.

Fui recebido pelo Senhor Argemiro Costa Neto, o Miro, artesão de Maragojipinho. Foi ele que me apresentou a Natalício Santos, o Natal, natural de Aratuípe, 36 anos de idade e que trabalha há 12 na extração artesanal das argilas. Fui levado a Fazenda Shalom, um pequeno pedaço de terra, a cerca de 1 km de Maragojipinho, onde Natal e sua equipe, um grupo de quatro homens, fazem o trabalho de extração. Este terreno possui grande quantidade de argila sedimentar secundária, ou seja, fruto da longa deposição de minerais argilosos levados pelas águas, ventos e intempéries.

O trabalho realizado por Natal consiste basicamente em cavar buracos e retirar a argila, que desde as primeiras camadas se apresentam abundantes. Com a enxada Natal acumula quantidades de argila dentro das valas que, quando ressecada, são umedecidas e pisadas para formação de grandes pelotas. A argila é transferida, por um ajudante, até um animal de carga. Cada carregamento se faz com cerca de 10 pelotas, pesando cada um, em média, cerca de 30 quilos, formando um total de 300 quilos por viagem. Toda essa argila é depositada em uma pequena cabana e no fim de três a quatro horas pode-se retirar, por dia, até duas toneladas. O trabalho é realizado em sistema de meeiro, sendo a venda rateada entre o proprietário da terra e os extratores. Na região, existem como Natal, cerca de dez homens extraindo e fornecendo regularmente argila aos artesões de Maragojipinho.

À medida que as covas vão se aprofundando as argilas vão mudando de cor e características. As mais superficiais são muito claras, ricas em caulim, mas quebradiças se levadas ao forno. Estas são seguidas por uma argila amarela e depois por outra cinza que se torna mais escura à medida que se aprofunda a escavação. Estas últimas são argilas mais plásticas e moldáveis que na mistura "quebram a dureza” das argilas claras.

Esses poços de extração podem alcançar cerca de 3 metros, porém poços bem menores já oferecem uma variedade grande de argilas. Há ainda terrenos com apenas argilas vermelhas, ricas em óxido de ferro e bastante plástica. Tal qual a amarela pode ser cozida sozinha e ambas produzem, respectivamente, após a queima, uma cerâmica vermelha clara e castanha.

A cerâmica característica da região é realizada com uma mistura dessas argilas, formando uma massa cerâmica cujas porcentagens e modo de preparo é parte desta longa tradição local.