domingo, 2 de outubro de 2011

TOLERÂNCIA - Bahia e Judaísmo - 1º parte



Nascer judeu na Bahia causa imediatamente certa perplexidade.
Algo parecido a uma piada pronta.
Mas de onde vem exatamente essa sensação?
São de fato duas informações carregadas de significados intensos e aparentemente antagônicas. A Bahia seria sinônimo de alegria, festa, liberdade, extroversão, corporeidade, música e afeto. O judaísmo, por mais que seja uma cultura permeada de atributos semelhantes, parece se opor imediatamente a todas elas, tal como água e azeite, que se repelem ao menor contato. Logo, ao pensarmos o judaísmo, ao lado da baianidade, somos levados a visualizar um judeu triste, cinzento, carrancudo ou avarento.
Para acabarmos com essa ilusão, e podermos avançar em relação ao chiste, bastaria dizer apenas que existem muitos baianos tristes, aborrecidos e certamente avarentos. Digamos melhor: por trás dos vernizes das culturas existem, por fim e ao cabo, toda fauna humana, e em cada povo ou nação hão de haver sempre a mesma galeria de virtudes e defeitos presentes pelos quatro cantos da terra. Ou seja, entre judeus, católicos, muçulmanos ou iorubás existe gente honesta, feliz e extrovertida e ao lado destes - como não deveria causar estranheza - os desonestos, tristes e introvertidos.
Podemos dizer também que influem sobre estes estereótipos certa realidade factual vinda de episódios e mesmo de locais muito específicos.
Boa parte da imagem judaica vem de certa experiência acumulada por séculos de perseguição e pobreza, muito ligada ao leste europeu, onde contribui para compor a estética do quadro um frio intenso e a escuridão dos trajes. Sinto talvez que pareça superficial atribuir as imagens a percepção sobre um povo, mas o que fazer se os olhos têm sua lógica? A Bahia, por exemplo, vive do mito da felicidade e boa parte dessa percepção vem do sol, do céu azul, da natureza exuberante, da miscigenação racial e do carnaval.
Devemos pensar ainda que coladas a essas imagens estão, pelo lado judaico, um histórico, bastante disseminado, de riqueza vinda através de um suposto comprometimento “burguês” e, para finalizar, a negação ao cristianismo, mais especificamente ao Cristo. Do lado baiano junta-se as imagens solares certo hábito festivo ligado às origens portuguesas, mas principalmente africanas, e daí também a idéia de sensualidade associada aos povos "primitivos” da mãe África.
Inverter a lógica não me parece muito difícil, desde que estejamos atentos a realidade, que é sempre mais complexa que a fotografia na parede. Porém, não devemos também subestimá-las, pois, além das verdades que estas possuem, agem como espécie de auto-referência para nossas identidades. Digamos apenas que ao conhecermos pessoalmente esses "personagens” ampliamos nossa percepção sobre o “sujeito” e começamos a enxergar um universo mais amplo que poderá, para surpresa geral, nos levar a um único homem.
Ao chegarmos mais perto, conheceremos, em primeiro lugar, uma Bahia diferente daquela imaginada, onde a miscigenação não foi capaz de diluir o preconceito racial, este ligado a uma tradição coronelista arraigada, cujas transformações sociais das últimas décadas, infelizmente, só ampliaram o abismo entre ricos e pobres. E então, muitas vezes, ao andarmos pelas ruas da Cidade Baixa, somos hoje surpreendidos por uma nítida sensação de apartheit. Dito assim, de modo tão direto, pode soar tão estranho quanto afirmar que o judaísmo é uma cultura que celebra a alegria e que os judeus, de um modo geral, estão muito mais envolvidos com as artes e a ciência do que com especulação financeira. E mais, que ainda hoje, entre judeus, existem pobres.

Estamos agora diante de um novo quadro, na realidade o negativo daquela fotografia e, como tal, mal reconhecemos a imagem.
Afinal, haveria uma certa?
Mesmo aqueles que se interessam em investigar a realidade não deixariam de rir da piada. E nesse sentido poderíamos dizer que as duas percepções estão certas e erradas. As imagens iniciais, aquelas que nos fazem rir, possuem sim sua carga de verdade e o oposto, por incrível que pareça, também.

Um comentário:

JANETE KISLANSKY disse...

Israel, oxente... você além de Pedreiro e poeta, tá virando filósofo é??? Muito legal! Beijo da mana artista, Janete!