domingo, 20 de março de 2011

EU KISLANSKY



Uma amiga me chamou atenção para sonoridade desses dois nomes. Kosminsky e Kislansky.
Kosminsky parece ser a outra face de Kislansky. A face voltada para dentro. 

Certa vez passava uma tarde com meu pai na sala de seu apartamento, estava de férias e aproveitava para lhe fazer companhia. Ele já estava bastante doente, tinha 73 anos, sentou-se em sua cadeira reclinável, coloquei uma gravação da patética de Tchaicovisky, abri meu clarinete e toquei. Toquei outras canções que estudara e também um pouco de flauta. A sala estava forrada com minhas pinturas, na maior parte de mulheres nuas. Destacava-se especialmente uma pintura maior, um strip-tease num teatro de ópera. Meu pai relaxava e ouvia música enquanto lhe contava sobre minhas escolhas, procurando um modo de falar que possibilitasse uma ponte entre nós. Sabia o que ele queria ouvir e me esforçava para traduzir minhas paixões em algo concreto e que inspirasse nele a confiança que queria conquistar.
O diálogo com o mundo, em boa parte, não foi diferente disso. Muito raramente encontrei vozes e ouvidos para os quais não precisei dar explicações. Por fim acabei me acostumando a isso. Aprendi a traduzir meus desejos em conceitos palatáveis aos práticos do mundo e, acredito, com algum prejuízo para meu anjo sonhador. Arranjei um lugar onde ele sobrevive, e sempre que o chamo tem se apresentado, um tanto quebrantado, mas disposto a dar a sua contribuição para uma existência mais útil.
De fato, um dia de trabalho “prático”, reuniões, projetos, explicações convincentes, mesmo que remuneradas, não poucas vezes me dão uma sensação exata de inutilidade.
Creiam, para um artista é claro, um dia de ateliê é um balsamo de vitalidade, mesmo que termine com aquela estranha pergunta: Afinal, para que faço tudo isso?
Difícil de explicar, principalmente ao meu pai, naqueles dias, há 22 anos atrás.
Naquela tarde, em certo momento, ele me disse: “não sei o que fazer por você, nunca imaginei ter um filho assim.” Depois disso, despretensiosamente, olhando para duas pequenas pedras que havia talhado, soltou um vaticínio: “acho que com isso você pode ganhar algum dinheiro.”
Ignorei.   
Lutei com a pintura e com o clarinete o que pude, e não foi pouco. Lentamente o destino foi se apresentando e comprovando o que meu pai intuía e, não sei exatamente por que força de atração, as coisas se confirmaram. 
A escultura se tornou uma profissão e hoje cuido, não sem conflitos, dos meus dois anjos: o de dentro e o de fora. 
Daí, talvez, seja de fato o Kislansky a face voltada para fora.

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