sábado, 23 de outubro de 2010

ISAC E MARIA






















Minha mãe tb é judia. Conta a história q seu pai era de família russa e humilde e sua mãe também de família russa, mas rica. Vieram da antiga União Soviética com uma leva de imigrantes para uma fazenda no interior do Rio Grande do Sul. Se casaram, contra a vontade, é claro, da facção mais abastada, e partiram do Rio Grande já com tia Berta ao colo.
Contava essa tia que moravam numa casa no meio do mato, de onde nasceu seu conhecido horror por cobras de todas as espécies, inclusive as de brincadeira, da visita constante e assustadora de “capatazes”e que brincava no colo de seu avô, acredito que paterno, fazendo tranças em suas longas barbas. Me compraz imaginá-los hassidim, religiosos ou músicos. Busco essa veia artística em minha família materna uma vez que a família de meu pai se restringe a ele e uma sobrinha, tendo o restante morrido com a perseguição nazista, e por ele mesmo não apresentar o menor sinal de inclinação às artes. Ademais a família kosminsky possui todos os sinais dessa inclinação, por começar pela propensão a desordem. Vamos entender assim: a lógica seria o pai do dinheiro e a intuição a mãe das artes. A família Kosminsky não era nada lógica. Por fim, havia um tio. Alguém que nunca conheci mas que era pintor. Abrão Kosminsky. Na realidade um primo de minha mãe e na foto do meu primeiro aniversário apareço miúdo entre o bolo e um quadro seu sob a parede da sala. Suas pinturas estão impregnadas em minha lembrança por comporem o que poderia chamar de cenário do primeiro ato. Hoje, mesmo quando vejo esses quadros sinto-os como objetos do passado.
Voltando a fazenda e a partida dos meus avós do Rio Grande do Sul sei apenas que ele trabalhou como caixeiro viajante, que sua mulher nutria por ele um ciúme que tornou-se, com o passar dos anos, doentio, e que seus dez filhos nasceram no percurso entre o Rio Grande e o Pará. Minha mãe, a décima, nasceu em Pernambuco, não sei se na ida ou na volta, pois chegaram ao Pará e retornaram até alcançarem sua última parada, a cidade de Salvador, onde morreram na década de setenta. Foi a primeira morte que experimentei. A dele pouca lembrança tenho apesar da importância que representa para mim. De repente ele sumiu e poucos dias depois, então soube do que se tratava, ficou a dúvida na casa, que se tornou motivo de brigas, se se deveria ou não soltar os seus passarinhos. Eram muitos, ficavam em minha casa e cuidava deles com muito zelo. Minha mãe, como sempre, tomou a frente, pegou as gaiolas e o grande viveiro, motivo de paixão na minha infância, e pôs a bicharada prá voar. Foi um misto de profunda tristeza e beleza, tenho essa imagem na frente dos meus olhos. Foram soltos na janela de minha casa, no edifício Rosemar, no quarto andar. Era uma janela inesquecível. Assisti, por ela, a milhares de finais de tardes como jamais poderia descrever. Quem conhece Salvador pode imaginar o que aquela cor e luminosidade podem fazer na alma de alguém. Nossa janela era pródiga em sensações.
Com minha avó foi diferente. Lembro de estar brincando na sala com Lulu, um amigo de infância, devíamos ter uns 6 anos ou mais, e vimos passar por cima de nossas cabeças o caixão. Vi vovó na cama e presenciei o sofrimento de minha mãe.
Muitas histórias ouvi, todas elas ditas entre jogos de cartas, idas a Hebraica e cafés da tarde. Cresci muito ligado a esse ritmo de casa com minhas tias, empregadas, parentes de todo tipo conversando e contando histórias. Muitas versões, discussões, disputas e aquela ao mesmo tempo inquietante e serena sensação de que isso era uma família.

3 comentários:

Anônimo disse...

Que bonita SAGA FAMILIAR!

JANETE KISLANSKY disse...

iel, tô adorando essas lembranças, e com certeza a do viveiro de vovô em revoada é a mais forte de todas!!! continue..., beijo, janete

vera disse...

uau, te conheco a mais de sei la quantos anos e nunca soube que tuas memorias de infancia eram tao parecidas com as nossas. Cartas, Hebraica, historias, sotaques, expressoes... Continue escrevendo. Essas memorias sao preciosas. Aconselho imprimi-las tambem para que a vulnerabilidade da internet nao as coma em uma tarde de outono. Teus filhos vao adorar le-las um dia...