quinta-feira, 31 de março de 2011

domingo, 27 de março de 2011

domingo, 20 de março de 2011

EU KISLANSKY



Uma amiga me chamou atenção para sonoridade desses dois nomes. Kosminsky e Kislansky.
Kosminsky parece ser a outra face de Kislansky. A face voltada para dentro. 

Certa vez passava uma tarde com meu pai na sala de seu apartamento, estava de férias e aproveitava para lhe fazer companhia. Ele já estava bastante doente, tinha 73 anos, sentou-se em sua cadeira reclinável, coloquei uma gravação da patética de Tchaicovisky, abri meu clarinete e toquei. Toquei outras canções que estudara e também um pouco de flauta. A sala estava forrada com minhas pinturas, na maior parte de mulheres nuas. Destacava-se especialmente uma pintura maior, um strip-tease num teatro de ópera. Meu pai relaxava e ouvia música enquanto lhe contava sobre minhas escolhas, procurando um modo de falar que possibilitasse uma ponte entre nós. Sabia o que ele queria ouvir e me esforçava para traduzir minhas paixões em algo concreto e que inspirasse nele a confiança que queria conquistar.
O diálogo com o mundo, em boa parte, não foi diferente disso. Muito raramente encontrei vozes e ouvidos para os quais não precisei dar explicações. Por fim acabei me acostumando a isso. Aprendi a traduzir meus desejos em conceitos palatáveis aos práticos do mundo e, acredito, com algum prejuízo para meu anjo sonhador. Arranjei um lugar onde ele sobrevive, e sempre que o chamo tem se apresentado, um tanto quebrantado, mas disposto a dar a sua contribuição para uma existência mais útil.
De fato, um dia de trabalho “prático”, reuniões, projetos, explicações convincentes, mesmo que remuneradas, não poucas vezes me dão uma sensação exata de inutilidade.
Creiam, para um artista é claro, um dia de ateliê é um balsamo de vitalidade, mesmo que termine com aquela estranha pergunta: Afinal, para que faço tudo isso?
Difícil de explicar, principalmente ao meu pai, naqueles dias, há 22 anos atrás.
Naquela tarde, em certo momento, ele me disse: “não sei o que fazer por você, nunca imaginei ter um filho assim.” Depois disso, despretensiosamente, olhando para duas pequenas pedras que havia talhado, soltou um vaticínio: “acho que com isso você pode ganhar algum dinheiro.”
Ignorei.   
Lutei com a pintura e com o clarinete o que pude, e não foi pouco. Lentamente o destino foi se apresentando e comprovando o que meu pai intuía e, não sei exatamente por que força de atração, as coisas se confirmaram. 
A escultura se tornou uma profissão e hoje cuido, não sem conflitos, dos meus dois anjos: o de dentro e o de fora. 
Daí, talvez, seja de fato o Kislansky a face voltada para fora.

sábado, 19 de março de 2011

EU KOSMINSKY



Escrevo apenas para me ver ou para re-experimentar sensações. Se trago essas histórias para cá, para a tela do computador, é pela simples necessidade de pensar de uma forma mais concreta. Talvez a pintura também me servisse, mas estou a tanto tempo distante, sem praticar e cansado das suas dificuldades que optei pela escrita, algo que faço sem compromisso e sem critérios e, principalmente, sem pretensões profissionais. O profissionalismo é ótimo, mas muito chato, por pouco não me mata a escultura e as aulas que tanto gostava de dar. Aqui, ao menos, há um prazer novo, por mais que corra o risco do ridículo.
Serei ridículo mas feliz, e como diz meu filho, “ponto”.
Vivi a eterna dicotomia dos Kislansky versus Kosminsky. Os ricos versos os pobres, os certos versos os errados. Muitas vezes me senti Kislansky, muitas vezes me senti Kosminsky. Algumas vezes consegui inverter a lógica, algumas quase a perdi. Flutuei entre meu pai e minha mãe ao sabor dos momentos da minha vida até chegar ao ponto de, finalmente, compreendê-los fora de mim. Herdei o nome Kislansky, mas me penso hoje como outro ser, não necessariamente certo ou errado, pois, evidentemente, sempre serei ambos. Mas vivi uma experiência angustiante, dividido por amor, interesses, desamores, como um pêndulo acompanhando os atritos entre meu pai e minha mãe, entre os Kislansky e os Kosminsky.
O gigantismo da família Kosminsky, são nove tios, dezenas de primos, tios avós, primos distantes e a miudeza dos Kislansky, apenas meu pai e uma prima, talvez faça das comparações algo desleal, pois será sempre mais fácil encontrar dificuldades no grupo mais numeroso. Os Kosminsky eram pródigos em atenções, afetos e problemas, enquanto ao Kislansky restou o lugar de pai provedor cujo sentido da vida era a certeza de que o único meio de colaborar com uma existência plena e digna para seus filhos era convencê-los da necessidade do sucesso financeiro. O histórico de meu pai o impeliu a isso e também os limites de cada ser humano, afinal somos apenas isso.
Se não aprendi com meu pai, a vida encarregou-se de deixar clara a sua parcela de razão.
Para minha sorte, apenas uma parcela. Essa experiência me deixou dividido, cindido ao meio e se, em certos momentos, consigo reunir as partes, dando à dimensão pecuniária sua devida proporção, o mais das vezes o conflito se apresenta sem que eu o perceba...
A veia artística só exacerbou o problema. Não consigo focar no dinheiro. Sem dúvida preciso e gosto dele mais do que admito e, como a maioria, passo muito mais tempo em sua busca do que havia planejado. Porém tenho conseguido uma façanha que admito custou e custa um bocado de esforço: meus projetos e trabalhos são muito ligados ao que sonho como artista e acredito como homem. Os resultados são limitados ao tamanho de minha capacidade e ao acaso das oportunidades. E assim cumpro meus dias no que diz respeito a essa equação entre a labuta pelo feijão e arroz, que alimenta esse corpo tão amado e maltratado, e essa outra fome deste ser abstrato - seria nossa alma? - e sem a qual ficamos igualmente desnutridos.

domingo, 13 de março de 2011

TIOS KOSMINSKY III


Há pouco me aproximei de Tia Ida. De fato, gosta de prosear, mas sem maldades. Ou, se quiser, com as maldades necessárias para uma boa proza. Uma mulher mais pronta para a vida. Sabedora das suas dificuldades, mas reconhecendo sobre tudo seu desejo de viver, possui aos 80 uma disposição invejável. Seu marido deixou-lhe um violino - já a conheci viuva - e essa nota musical sempre reverberou em sua casa, possivelmente representando um homem que também amava a vida.
Seguramente ela o amava muito. Percebesse em tudo. Do modo que dele fala ao olhar de saudades e também por estar de acordo com seu temperamento. Se a comparássemos à minha mãe e Tia Berta poderíamos falar de três cheiros muito distintos. Minha mãe, sem duvida, algo picante, Tia Berta uma alfazema, delicada e tranqüila, Tia Ida algo excitante, uma almiscar.
Talvez não fosse a mais bela das irmãs, mas isso não a impede de manter uma atitude cuidadosamente vaidosa. Parece ter conhecido o amor. Um prêmio. Não para se expor e branir mas para guardar consigo. Nas desconversas que vejo entre tantas vozes altas sinto de sua parte um silêncio sabedor do proveito colhido.
O que pode-se querer mais da velhice que a vitalidade? 
Certo dia estava na casa de minha mãe com as duas e resolvi puxar o assunto dos meus avós. Mais uma vez estava provado que construímos pessoas dentro de nós, pois se dependesse da descrição de ambas teríamos retratos tão distintos que poderíamos jurar tratar-se de seres absolutamente antagônicos. Acabaram brigando e fiquei novamente com a certeza de ser da ordem do impossível fazer um retrato verdadeiro de alguém.
Existem verdades que nascem dentro de nós e que podem estar absolutamente equivocadas. Algumas nos fazem muito bem, outras nos fazem muito mal.
Para sofrermos menos e gozarmos mais podemos ao menos lembrar que são imagens e não verdades. Ou então pensarmos sobre como nos movemos por imagens.
Depois da briga, não haviam passado três minutos, estavam tomando café na cozinha, juntinhas.

TIOS KOSMINSKY II

Tia Berta foi casada com Tio Max. Não o conheci ou não lembro de tê-lo visto. Talvez um vulto.
Era alemão e após sua morte minha tia retirava junto ao consulado alguns marcos que recebia regularmente. Deve ter sido um homem bom, pois falava-se dele frequentemente. Depois, com o passar dos anos, tornou-se algo esporádico.
Tio Max! Esse nome reverbera em minha cabeça como algo sério, um homem pequeno, constante, talvez humilde, capaz de cumprir com seu destino de marido de minha querida tia.
Do que é capaz nossa imaginação? De fato nada sei. Ouvi falar e criei para mim essa pessoa que agi de modo burocrático. Poderia julgar quem foi ele pelo que conheço e percebo dos meus primos?  Quem terá sido Tio Max?
Andamos a criar pessoas.

sábado, 12 de março de 2011

TIOS KOSMINSKY I

São personagens difíceis de entender. Não conheci todos os irmãos de minha mãe e mesmo de seus pais tenho apenas lembranças de infância. De modo que tenho uma percepção estranha, como daqueles personagens de filmes, complexos mas mal explicados, onde ficamos por fim com uma sensação de mentira. Depois, como todos os irmão, são tão diferentes entre si que se torna ainda mais complicado entendê-los e explicá-los. Na realidade conheci de fato apenas as mulheres e um dos irmão, meu xará Tio Israel. Eles eram dez no total, cinco homens e cinco mulheres. Minha mãe é a caçula e Tio Israel o mais jovem dos homens. Tia Berta, a mais velha. já se foi, e posso dizer, era a mais bondosa e amável de todas, dona de uma sensibilidade e delicadeza que de fato não vejo em nenhum dos irmãos. Para mim, especialmente, foi um verdadeiro anjo da coragem, me estimulando a cada momento, pois em todas as minhas passagens por Salvador era ela a única a repetir: não desista, voce vai conseguir! Não era pouco, o começo foi bem difícil.
Esteve sempre presente na minha infância, me levando para comprarmos os presentes de cada aniversário e dando aquele exemplo de cuidado com os outros e consigo mesma. Era muito presente em minha casa, pois entre ela e minha mãe tudo se passava bem. Minha mãe uma fera a esbravejar e dizer tudo que lhe passava pela cabeça. Minha tia aquele pequeno passarinho delicado e frágil. E um humor incrível para salvar tudo. Humor e amor, é inegável. Passaram uma vida companheiras, vizinhas, sabiam as histórias e feridas uma da outra, recontavam centenas de vezes as mesma lembranças que ouviamos, embevecidos e com um sorriso nos lábios, infinitas vezes. Troçavam-se mutamente, brigavam no jogo, minha mãe ágil feito uma águia, minha tia...
Lá pelos setenta e cinco quase não enxergava. Fez a cirurgia da catarata. Foi a revolução. Voltou a se pintar e abandonou aquelas cartas de baralho com letras enormes.
Seu fim foi verdadeiramente triste. Havia passado os últimos 20 anos a tomar tranquilizantes, não sabia disso, e após ter os remédios suspensos teve uma séria crise de depressão. Seu último ano foi de uma angustiante semi lucidez para sofrimento de todos. De seus filhos, especialmente Mário, não falo agora porque pertence a outra classe, quem sabe a outro capítulo - o dos primos... Digo apenas que sofreu.

IMAGEM

terça-feira, 1 de março de 2011