domingo, 13 de março de 2011

TIOS KOSMINSKY III


Há pouco me aproximei de Tia Ida. De fato, gosta de prosear, mas sem maldades. Ou, se quiser, com as maldades necessárias para uma boa proza. Uma mulher mais pronta para a vida. Sabedora das suas dificuldades, mas reconhecendo sobre tudo seu desejo de viver, possui aos 80 uma disposição invejável. Seu marido deixou-lhe um violino - já a conheci viuva - e essa nota musical sempre reverberou em sua casa, possivelmente representando um homem que também amava a vida.
Seguramente ela o amava muito. Percebesse em tudo. Do modo que dele fala ao olhar de saudades e também por estar de acordo com seu temperamento. Se a comparássemos à minha mãe e Tia Berta poderíamos falar de três cheiros muito distintos. Minha mãe, sem duvida, algo picante, Tia Berta uma alfazema, delicada e tranqüila, Tia Ida algo excitante, uma almiscar.
Talvez não fosse a mais bela das irmãs, mas isso não a impede de manter uma atitude cuidadosamente vaidosa. Parece ter conhecido o amor. Um prêmio. Não para se expor e branir mas para guardar consigo. Nas desconversas que vejo entre tantas vozes altas sinto de sua parte um silêncio sabedor do proveito colhido.
O que pode-se querer mais da velhice que a vitalidade? 
Certo dia estava na casa de minha mãe com as duas e resolvi puxar o assunto dos meus avós. Mais uma vez estava provado que construímos pessoas dentro de nós, pois se dependesse da descrição de ambas teríamos retratos tão distintos que poderíamos jurar tratar-se de seres absolutamente antagônicos. Acabaram brigando e fiquei novamente com a certeza de ser da ordem do impossível fazer um retrato verdadeiro de alguém.
Existem verdades que nascem dentro de nós e que podem estar absolutamente equivocadas. Algumas nos fazem muito bem, outras nos fazem muito mal.
Para sofrermos menos e gozarmos mais podemos ao menos lembrar que são imagens e não verdades. Ou então pensarmos sobre como nos movemos por imagens.
Depois da briga, não haviam passado três minutos, estavam tomando café na cozinha, juntinhas.

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