A partir de Salvador, atravessando a
Baía de Todos os Santos, de balsa ou ferry-boat, chegamos à
Ilha de Itaparica. Por uma estrada, cruzamos a pacata ilha até
alcançarmos a ponte do Funil que nos leva de volta ao
continente e em direção a uma das mais belas regiões
do Recôncavo Baiano. Por esta estrada, que leva a Valença,
em pouco menos de quarenta quilômetros, chegamos à
famosa “Nazaré
das Farinhas" e com mais seis ao pequeno município
de Aratuípe.
Em Aratuípe se encontra o
distrito de Maragojipinho. Esta antiga aldeia abriga uma longa
tradição de cerâmica decorativa, com
mais de 100 anos de história,
e que nos remete a um dos processos fabris mais antigos da
humanidade. Exclusivamente a partir do engenho e força do
homem, sem qualquer auxílio de energia elétrica,
artistas e artesãos exploram a terra, preparam o barro e
produzem - em tornos movidos por movimentos dos pés - potes,
pratos e toda sorte de utensílios utilitários e
decorativos. Toda essa produção é queimada
lentamente em grandes fornos à lenha.
O aspecto avermelhado desta cerâmica
é obtido com a “goma de tauá”, espécie de
engobe tirada de uma argila muito rica em óxido de ferro. Os
arabescos brancos pintados com "tabatinga”, retirada de outra
argila, bem como o "brunimento”, polimento da peça em
“ponto de couro” antes da secagem definitiva, são feitos
exclusivamente pelas mulheres, enquanto aos homens cabem a extração,
preparação e criação dos objetos em
argila.
Acompanhando todos esses procedimentos
podemos facilmente imaginar como trabalhou o homem a partir de 3.000
anos antes de Cristo, uma vez que a cerâmica e o torno já
era largamente utilizado no Egito e antigo oriente. O modus
operandi daquela
época seguramente não diferi substancialmente do que
ainda hoje acontece em nosso Recôncavo. Compreender esta
singularidade, ao lado da notória qualidade do artesanato da
região, faz parte do processo de valoração e
consciência da preservação deste fazer.
Incorporar novas tecnologias, mesmo que ainda rudimentares, devem ser
observados com cautela, uma vez que o próprio modo produtivo
é, por si, e simultaneamente, história, ciência e
arte.
Fui recebido pelo Senhor Argemiro Costa
Neto, o Miro, artesão de Maragojipinho.
Foi
ele que
me apresentou a Natalício
Santos, o Natal, natural de Aratuípe, 36 anos de idade e que
trabalha há 12 na extração artesanal das
argilas. Fui levado a Fazenda Shalom, um pequeno pedaço de
terra, a cerca de 1 km de Maragojipinho, onde Natal e sua equipe, um
grupo de quatro homens, fazem o trabalho de extração.
Este terreno possui grande quantidade de argila
sedimentar secundária, ou seja, fruto da longa
deposição de minerais argilosos levados pelas águas,
ventos e intempéries.
O trabalho realizado por Natal consiste
basicamente em cavar buracos e retirar a argila, que desde as
primeiras camadas se apresentam abundantes. Com a enxada Natal
acumula quantidades de argila dentro das valas que, quando ressecada,
são umedecidas e pisadas para formação de
grandes pelotas. A argila é transferida, por um ajudante, até
um animal de carga. Cada carregamento se faz com cerca de 10 pelotas,
pesando cada um, em média, cerca de 30 quilos, formando um
total de 300 quilos por viagem. Toda essa argila é depositada
em uma pequena cabana e no fim de três a quatro horas pode-se
retirar, por dia, até duas toneladas. O trabalho é
realizado em sistema de meeiro, sendo a venda rateada entre o
proprietário da terra e os extratores. Na região,
existem como Natal, cerca de dez homens extraindo e
fornecendo regularmente argila aos artesões de Maragojipinho.
À medida que as covas vão
se aprofundando as argilas vão mudando de cor e
características. As mais superficiais são muito claras,
ricas em caulim, mas quebradiças se levadas ao forno. Estas
são seguidas por uma argila amarela e depois por outra cinza
que se torna mais escura à medida que se aprofunda a
escavação. Estas últimas são argilas mais
plásticas e moldáveis que na mistura "quebram a
dureza” das argilas claras.
Esses poços de extração
podem alcançar cerca de 3 metros, porém
poços bem menores já oferecem uma variedade grande de
argilas. Há ainda terrenos com apenas argilas vermelhas, ricas
em óxido de ferro e bastante plástica. Tal qual a
amarela pode ser cozida sozinha e ambas produzem, respectivamente,
após a queima, uma cerâmica vermelha clara e castanha.
A cerâmica
característica da região é realizada com uma
mistura dessas argilas, formando uma massa cerâmica cujas
porcentagens e modo de preparo é parte desta longa tradição
local.
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