terça-feira, 4 de outubro de 2011

TOLERÂNCIA - Bahia e Judaísmo - 2ª parte

Somos identidades individuais muito complexas e não nego que nossa formação cultural faça parte dela. Porém, gostaria agora de fazer um esforço de imaginação e furar essas barreiras para estar simplesmente ao lado de alguém, seja ele quem for - judeu, baiano, negro, branco, amarelo ou ainda a mistura de alguns deles - e olhar a sua volta.
Estaremos então diante de alguém que ama, sofre, ri, chora, tem filhos ou não, teve pais, estuda ou trabalha. Este ente vive numa sociedade com justiças e injustiças e muitas vezes é atormentado pelas escolhas entre “verdades” e “mentiras”. Por fim, ele sonha, pondera e deseja. Basicamente qualquer um de nós, pois somos, afinal, apenas estes seres humanos, limitados, voluntariosos e, segundo nosso Machado de Assis, atraídos pela “quimera da felicidade”.
Lembrar que o outro sente e vive apenas como nós mesmos, independente das distância culturais e físicas, é sem dúvida o primeiro passo no sentido de encurtar as distâncias e amolecer certas barreiras que aparentemente separam os povos. Esse tipo de aproximação em direção ao indivíduo foi uma das recentes e maiores conquistas da humanidade – se pensarmos que 300 anos está logo alí. Um processo que acompanha as transformações do mundo desde o século XVIII, passando pelo fim das monarquias absolutas, pela revolução francesa, pela emancipação, primeiro da maioria e depois das minorias, pela revolução que significou a psicanálise ou mesmo a mini-saia. Todas elas trabalharam contra os pré-conceitos e ajudaram a ampliar a igualdade entre raças, sexos e classes sociais. A noção moderna de direito, por mais difícil que seja sua prática, nos faz crer, ao menos, que não andamos em vão.

Hoje percebemos claramente que os movimentos fascistas do princípio do séc. XX foram uma cruel resistência aos caminhos da liberdade. Não a toa pregaram a limpeza racial e bradaram firmemente contra a arte moderna. Mesmo agora, o radicalismo pulverizado mundo afora não representa mais que um grito desesperado de medo. Medo do erro, das transformações, medo das perdas, enfim, daquilo que é mais humano. Viver em liberdade implica em acertar e errar, mudar de caminho, duvidar, experimentar, ser responsável pelos seus atos e respeitar o outro que guia-se pelo seu próprio norte. Sem dúvida algo complexo, um aprendizado diário do qual levamos para o túmulo apenas a sensação da busca, pois somos e seremos sempre imperfeitos. O resultados dos esforços acumulados são conquistas que se abrem para todos e usufruimos delas sem o perceber. Para o obtuso, porém, será sempre mais fácil ordenar ou seguir ordens que lhes “assegurem a felicidade".

Aquele “indivíduo”, o outro, igual a nós mesmos, busca apenas um acerto de contas consigo mesmo. As vezes, tem acesso a caminhos que atendem a essa necessidade, as vezes, e infelizmente, se interpõe ao seu percurso verdades alheias.

Poderíamos também pensar as culturas como indivíduos.
Afinal, o que regem as relações entre as pessoas? Poderíamos viver isolados, um sem o outro? Não é justamente na troca que crescemos e nos realizamos? E ao fazê-lo, deixamos de ser nós mesmos? Existe relação entre dois indivíduos sem respeito e independência?
Se, como indivíduos, estivermos um pouco mais preparados para o contato com o outro, e todas as suas conseqüências, sairemos mais ricos dessa troca, e certamente diferentes.
O mesmo se dá em relação as culturas.

De qualquer modo estou seguro que ao transformar culturas em abismos que dividem e delimitam os povos comete-se um grande erro. Em primeiro lugar porque as culturas são, e sempre serão, permeáveis. Nunca existiu esta tal pureza e os exemplos salpicam mundo afora. A música judaica é inimaginável sem os ritmos árabes. O cristianismo possui uma matriz judaica. Os mitos africanos se misturaram de tal modo ao catolicismo que frequentemente se trocam os nomes dos santos pelos respectivos Orixás do Candomblé. O Brasil e a Bahia justamente encantam o mundo por essa permeabilidade, pois aqui nunca saberemos exatamente onde começa e termina a influência de tantas culturas e indivíduos.

2 comentários:

joãoescultor disse...

muito bom Israel. ótimo texto !

JANETE KISLANSKY disse...

É isso aí, iel, gostei! Nas minha andanças pelo mundo afora, encontrei uma pessoa que disse, porque preciso de visto para entrar em um país, já que o mundo é um só e de todos???!! E como diz Nivaldo e John Lennon sou cidadão do mundo!!! Beijos